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L'Ecriture ou la vie | Jorge Semprun • Gérard de Cortanze
L'Ecriture ou la vie | Jorge Semprun • Gérard de Cortanze

L'Ecriture ou la vie

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111 pages

Résumé

Deportado em Buchenwald, membro de uma das redes da Resistência, dirigente dos comunistas espanhóis do campo de concentração, Jorge Semprún foi libertado pelas tropas de Patton em 11 de Abril ele 1945. Este relato, frio de obsessões que se repetem como os temas de uma rapsódia de pesadelo, mostra como foram precisos quinze anos para aceitar reviver.O estudante do liceu Henri IV, o laureado do concurso geral de filosofia, o jovem poeta que conhecia todos os intelectuais parisienses, descobre em Buchenwald o que não foi dado conhecer aos que não estiveram nos campos de concentração: viver a sua própria morte. A certa altura acreditou que poderia exorcizar a morte através da escrita. Mas escrever fazia reviver a morte. Na fuga a esse círculo vicioso, será auxiliado por uma mulher, claro, e talvez também por um objecto bem prosaico: O guarda-chuva de Bakunine conservado em Lucarno.Neste turbilhão da memória, mil cenas, mil histórias. tornam este livro sobre a morte um livro cheio de vida. Semprún poderia ter-se contentado em escrever recordações, ou um documento. Mas produziu de facto uma obra de arte, onde jamais se esquece que Weimar a pequena cidade de Goethe, fica a poucos passos de Buchenwald.Excerto:«La Paloma»"Esta história da Paloma surgiu-me, assim, sem contar. Mas recorda-me algo de que não me lembro. Recorda-me, pelo menos, que me devo lembrar de qualquer coisa. Que poderia lembrar-me, se me esforçasse um pouco. La Paloma? O começo da cantiga vem-me à memória. Por estranho que pareça é em alemão que me lembro desse começo. Kommt eine weisse Taube zu Dir geflogen... Digo entredentes o começo de La Paloma em alemão. Agora já sei de que história me poderia lembrar. Lembro-me realmente, a bem dizer, deliberadamente. O alemão era jovem, era grande, era louro. Era absolutamente conforme ao ideal alemão: um alemão ideal, em suma. Tinha sido um ano e meio antes, em 1943. Era Outono, para os lados de Semur-en-Auxois. Numa curva do rio havia uma espécie de barragem natural que retinha a água. A sua superfície estava, naquele local, quase imóvel: espelho liquido sob o sol de Outono. A sombra das árvores movia-se sobre esse espelho de estanho translúcido.O alemão apareceu no cimo da margem, de motocicleta. O motor ronronava suavemente. Meteu pelo caminho que descia até à água.Nós estávamos à espera dele, Julien e eu.Quer dizer, não estávamos à espera daquele alemão, precisamente. Daquele miúdo louro, de olhos azuis. (Atenção, estou a inventar. Não lhe pude ver a cor dos olhos naquela altura. Só mais tarde, quando estava morto. Mas tinha todo o ar de ter olhos azuis.) Estávamos à espera de um alemão, de alemães. Quaisquer uns. Sabíamos que os soldados da Wehrmacht se tinham habituado a vir em grupo, ao fim da tarde, refrescar-se naquele sítio. Tínhamos vindo, Julien e eu, estudar o terreno, ver se seria possível montar uma emboscada com a ajuda dos maquis dos arredores.Mas aquele alemão parecia estar sozinho. Nenhuma outra motocicleta, nenhum outro veículo tinha aparecido atrás dele no caminho da margem. Deve dizer-se, também, que não era a hora habitual. Estávamos a meio da manhã.Desceu até à beira da água, apeou-se da moto que apoiou no cavalete. De pé, respirando a doçura da França profunda, abriu o colarinho do blusão. Estava descontraído, via-se. Mas mantinha-se vigilante: trazia a metralhadora a tira colo, suspensa da correia que pusera em volta do pescoço.Julien e eu olhámos um para o outro. Tínhamos tido a mesma ideia.O alemão estava sozinho, nós tínhamos as nossas Smith and Wesson. Encontrávamo-nos a uma boa distância do alemão que estava perfeitamente ao alcance das nossas armas. Havia uma motocicleta para recuperar, uma metralhadora.Estávamos escondidos, de atalaia: o alemão era um alvo perfeito. Então, tínhamos tido a mesma ideia, Julien e eu.Mas, de súbito, o jovem soldado alemão ergueu os olhos para o céu e começou a cantar. Kommt eine weisse Taube zu Dir geflogen... Tive um sobressalto, quase fiz barulho, batendo com o cano da Smith and Wesson de encontro à rocha que nos abrigava. Julien fulminou-me com os olhos. Talvez aquela canção não lhe lembrasse nada. Talvez nem sequer soubesse que era La Paloma. Mesmo que o soubesse, talvez La Paloma não lhe lembrasse nada. A infância, as criadas que cantavam na copa, as músicas dos coretos nas praças sombrias das estações balneares. La Paloma! Como poderia não me sobressaltar ao ouvir aquela canção? O alemão continuava a cantar, com uma bela voz loura. A minha mão tinha começado a tremer. Era-me impossível disparar sobre aquele jovem soldado que cantava La Paloma. Como se o facto de cantar aquela melodia da minha infância, aquela cantilena banal cheia de nostalgia, o tornasse subitamente inocente. Não pessoalmente inocente, que o era, talvez, de qualquer forma, mesmo que não tivesse cantado La Paloma. Talvez não tivesse nada a censurar-se, esse jovem soldado, nada, a não ser o ter nascido alemão na época de Adolf Hitler. Como se, de repente, se tivesse tornado inocente de um modo completamente distinto. Inocente não só de ter nascido alemão no tempo de Hitler, de fazer parte de um exército de ocupação, de incarnar, involuntariamente, a força brutal do fascismo. Tornado essencialmente inocente, pois, na plenitude da sua existência, porque cantava La Paloma. Era absurdo e eu bem o sabia. Mas sentia-me incapaz de disparar sobre aquele jovem alemão que cantava La Paloma, a descoberto, na candura de uma manhã de Outono, nas profundezas da doçura profunda de uma paisagem de França. Baixei o cano comprido da Smith and Wesson pintado de vermelho vivo com zarcão antiferrugem. Julien viu o meu gesto e, também ele, baixou o braço. Observa-me com ar inquieto, perguntando certamente a si próprio o que me está a acontecer. Está-me a acontecer La Paloma, é tudo: a infância espanhola a cair-me em cima. Mas o jovem soldado virou costas, regressa devagar à sua moto, imobilizada no cavalete. Então empunho arma com ambas as mãos. Aponto às costas do alemão, carrego no gatilho da Smith and Wesson. Oiço, ao meu lado, as detonações do revólver de Julien que, também ele, disparou vários tiros. O soldado alemão dá um salto em frente como se tivesse sido brutalmente empurrado pelas costas. Mas é que foi de facto empurrado pelas costas, pelo impacte brutal das balas. Cai a todo o comprimento. Eu atiro-me por terra, com o rosto na erva fresca e bato raivosamente com o punho na rocha plana que nos protegia.— Merda, merda, merda! Grito cada vez mais alto, Julien assusta-se. Abana-me, grita-me que não é boa altura para ter uma crise de nervos: ternos de fugir. Pegar na moto, na metralhadora do alemão e fugir. Tem razão, não há mais nada a fazer."

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